É muito difícil analisar taticamente a partida entre Boca Juniors e Corinthians pela CONMEBOL Libertadores. Eu, portanto, acho quase impossível. Apesar de ser um jogo de futebol que envolve a construção de jogadas a partir de um estilo de jogo, ontem não foi apenas futebol. Ontem, porém, o Corinthians foi além! O Corinthians de Vitor Pereira, de Willian, de Cássio e de todos nós foi coração.
Justamente por isso, eu proponho uma abordagem diferente. Mais do que falar sobre a forma do jogo e as estratégias utilizadas para conseguir a classificação, falemos da paixão que tomou La Bombonera. Falemos, portanto, do grito solto da garganta corinthiana e daquele que foi engolido pelos argentinos dentro de sua casa. Falemos, aliás, sobre superação. Não superação pelos desfalques ou pela descrença alheia, mas pela grandeza do Corinthians.
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Não se escreve “Corinthians” sem “corinthianos”
Quem procura o termo “resiliente” no dicionário Português/BR, encontra a definição “ser corinthiano”. Isso só acontece, portanto, porque é impossível achar em qualquer lugar do mundo torcedor mais apaixonado. O Timão enfrentou nos últimos anos períodos além de indigestos. Apesar de não ter sofrido verdadeiramente com ameaças nas tabelas, o Corinthians deixava o torcedor inquieto com resultados decepcionantes. A torcida, porém, não decepciona.
A mídia dizia que o Corinthians precisava ser reformulado. Não por conta da imprensa, mas o time se reformulou. Mudou de diretoria, de projeto interno e mostrou que é possível respeitar o passado visando o futuro. Mas não foram tempos fáceis para ser corinthiano. Só que isso nunca importou. Mesmo nos piores momentos, os corinthianos lotaram estádios, arenas e gritaram apaixonados pelo Timão. Isso jamais precisou de reformulação. E nem precisará.
Ontem, diante da ensurdecedora torcida do Boca Juniors dentro de La Bombonera, a torcida seguiu sua premissa pessoal. Se os adversários cantavam, aqueles mais de três mil corinthianos situados na zona de visitantes do estádio faziam mais. Era a missão deles entoar as vozes dos milhões de corinthianos que, contra sua vontade, não puderam estar ali. Foram eles que empurraram o Corinthians naquele jogo. Fomos nós! Esta é a nossa missão.
O português que mudou o time mais brasileiro
Fomos nós, inclusive, que mostramos a uma das principais peças da reformulação corinthiana o que é ser Corinthians. Vitor Pereira assumiu uma missão complicada ao aceitar o convite para tornar-se técnico do Timão. Porém, pelo que vemos, ele não é um cara que foge de complicações. E fomos nós, a nossa presença assídua nas arquibancadas e nossos gritos de apoio, que trouxeram o “mister” para dentro, literalmente, do time.
Vitor Pereira exalta muito a força do Corinthians, e entende que essa força vem dos torcedores. Justamente por isso, portanto, respeita a torcida e exige respeito a ela. E é este respeito que faz mais pelo Corinthians. O respeito, claro, e a inteligência de quem rege a orquestra. Vitor Pereira tem uma visão de jogo que poucos tem e, além de ser adaptativo aos adversários, os lê com sabedoria.
Contra o Boca Juniors, não foi diferente. Se no jogo de ida eles apostaram na “catimba” fora de casa, o Corinthians, portanto, faria o mesmo. Entretanto, o Timão de VP fez melhor. Fechou-se no campo de defesa, deixou o adversário cansar e parou o jogo quando preciso sem tumultuar a partida. Levou o jogo para os pênaltis sabendo com quem poderia contar. Vitor Pereira disse: é preciso ter cabeça, escolher o canto e bater com força. Com ele, batemos.
O homem do Corinthians
Há 10 anos e dois dias, o Corinthians levantou seu primeiro caneco da Libertadores. Essa marca histórica saiu de uma comissão inteligente, de um time unido e, principalmente, de um líder em campo. Os tempos mudaram. O Corinthians mudou. Porém, o líder dentro de campo segue o mesmo 10 anos e dois dias depois. Cássio, o goleiro da libertação, do mundial, de Paulistas, Brasileiros, Recopas e tantos outros, ainda é, portanto, o Homem do Corinthians.
Em 2012, Cássio não começa a competição como titular. Assume o posto com o passar das rodadas. Recém chegado, porém, era de se esperar que o jovem goleiro pudesse sentir parcialmente a pressão. Mas não. “Pressão” e “Cássio”, portanto, são palavras que não se juntam numa mesma frase. Em 2012, Cássio sagrou-se herói. Ontem, contra o Boca Juniors, Cássio, entretanto, cravou seu nome na história do Corinthians mais uma vez com tinta dourada.
Mais do que uma partida épica, Cássio foi fundamental mentalmente para uma equipe remendada. Com muitos jovens em um elenco desfalcado, o goleiro assumiu a função de “pai” dentro de campo. Aconselhou, deu bronca e, quando necessário, portanto, elogiou com efetividade. Porém, quando foi preciso como profissional, não decepcionou. Foi calmo nos 90 minutos, preciso nas cobranças de pênalti e, portanto, mais uma vez, cravou: é herói.
Willian e Paulinho na Bombonera
Há muito dizem que o Brasil está “carente” de ídolos. Por este motivo, clubes revelam jovens jogadores que atuam por pouquíssimo tempo no país e tornam-se “ídolos”. Ontem, porém, o corinthiano viu-se diante de dois ídolos em formação. Sim, em formação! Afinal, são dois jogadores que, pelo bem do Timão, ainda integram o elenco corinthiano. Portanto, ainda podem – e vão – escrever lindas histórias com a camisa do Corinthians.
Paulinho está fora do Corinthians há meses por uma grave lesão no joelho. Já Willian, porém,, deslocou o ombro no jogo de ida contra o Boca Juniors, dentro da Neo Química Arena. Ambos, porém, estavam na Bombonera. Paulinho no camarote, mas só depois de ter ido pessoalmente cumprimentar seus companheiros na saída do hotel. Willian, por outro lado, estava no banco de reservas – sem chances de jogar, mas lá estava.
A presença dos dois extrapolou os limites físicos de apoio. Paulinho e Willian estavam ali para demonstrar o verdadeiro espírito do que é ser corinthiano. Eles, portanto, entendiam aquilo que representavam para o time e entendiam sua importância. Enquanto a torcida ainda sofria pela desistência de um ídolo em construção por mau comportamento, viu os dois ali. A torcida se surpreendeu. Porém, mais do que isso, viu na Bombonera aumentar sua idolatria.
O negro que calou a Bombonera
A passagem do Boca Juniors pela CONMEBOL Libertadores de 2022 foi polêmica, para dizer o mínimo. Principalmente nas partidas contra brasileiros – o Corinthians, no caso – seus jogos, portanto, foram marcados pelo ridículo. Dentro de campo, o time buscava vitórias. Fora dele, porém, a torcida buscava vazão ao seu preconceito arcaico. Sob os olhos da organizadora, torcedores do Boca cometeram atrocidades racistas direcionadas a torcida corinthiana.
Foram inúmeros os casos de indivíduos imitando macacos em direção aos brasileiros. Sem pudor algum. Sem qualquer tipo de descrição. A torcida, portanto, destilava sua ignorância sem medo de quaisquer consequências. Até porque, convenhamos, elas não viriam de frente alguma. Plenamente ciente do que estava acontecendo, a CONMEBOL fechava os olhos, pregava punições puritanas e, no fim das contas, não se fez valer.
Justamente por isso, a atmosfera corinthiana dentro de La Bombonera era de incredulidade. Não era possível que não houvesse retaliação por parte da organização. Porém, a resposta veio em campo. Gil assume o posto para cobrar o último pênalti. Negro e orgulhoso de sua cor, ele bate com força no canto. Ou seja, um homem negro calou a torcida marcada pelo racismo. Um homem negro calou a Bombonera e, consequentemente, seu preconceito burro.
Uma noite para jamais se esquecer
Foi impossível dormir. Pregar os olhos na madrugada do dia 06 de julho foi, essa sim, uma tarefa impossível. O coração batia forte, os olhos estavam cheios de lágrimas e o peito, antes ansioso, explodia em alegria. Porém, quem é corinthiano sabe: este é, portanto, o sentimento de ser Corinthians! Depois de uma noite com aquela, portanto, era a multiplificação infinita do orgulho.
Mas esta noite vem sendo construída há meses! Esta noite, portanto, foi construída em cada bronca e comemoração de Vitor Pereira, em cada exigência dos veteranos, em cada chance dos miúdos. A classificação corinthiana passa por várias mãos – inclusive pelas nossas! Nós, que jamais desistimos, portanto, classificamos o Corinthians às quartas de final da Libertadores depois de 10 anos. Comemorem! Nós merecemos.
Esta noite, entretanto, tem diversos donos. É de Cássio, herói de 2012 e da classificação de 2022. Vitor Pereira também, que, apesar dos pesares, transformou o Corinthians em um time competitivo. É também de Willian e Paulinho, que fizeram valer o corinthianismo. Os miúdos, claro, que cravaram seus nomes na história. Os experientes também, que nos trouxeram até aqui. A noite argentina, portanto, foi nossa. A noite foi toda do Corinthians!